Preconceito Linguístico nas escolas: como combater
Texto originalmente publicado em 02/04/2019 e atualizado em 16/04/24.
O preconceito linguístico nas escolas é um fenômeno preocupante que afeta a experiência educacional de muitos estudantes.
Desde as primeiras interações na sala de aula, as atitudes negativas em relação a certas formas de falar podem criar um ambiente desfavorável para o aprendizado.
No entanto, este problema vai além das paredes da escola, permeando a sociedade e refletindo desigualdades sociais mais amplas.
Neste post, exploraremos não apenas as manifestações do preconceito linguístico nas escolas, mas também suas raízes. E além disso, veremos como podemos cultivar uma abordagem mais inclusiva e respeitosa em relação à diversidade linguística.
O que é preconceito linguístico?
A língua é muito dinâmica e diversa, estando sujeita a diversas variações. Toda língua possui essa versatilidade e isso é chamado de “variação linguística”.
A variação pode se dar a partir de vários contextos em determinados grupos, alguns deles podem ser histórico, econômico, geográfico ou sociocultural.
A comunicação é a principal função da língua e assim, as variações linguísticas acontecem. A partir da necessidade de interação social, as variações ocorrem devido aos próprios falantes arranjar e rearranjar a língua.
Quando essas alterações são vistas como erradas, esse julgamento é chamado de “preconceito linguístico”. Esse preconceito age de forma depreciativa contra o modo que a pessoa fala.
Essa discriminação geralmente está ligada às condições sociais, étnicas, religiosas e de gênero dos indivíduos. Até mesmo em algumas situações relacionadas aos sotaques regionais.
O Brasil, por ser um país de grande extensão territorial, possui uma pluralidade da língua e uma enorme multiplicidade cultural. Alguns exemplos de preconceitos acontecem entre pessoas de regiões diferentes, mais comumente com grupos de interior e mais pobres.
Causas do preconceito linguístico
O preconceito linguístico pode ser atribuído a uma variedade de fatores culturais, sociais e históricos. Um dos principais motivos é a associação entre linguagem e status social.
Formas de falar associadas a grupos privilegiados ou dominantes são frequentemente consideradas como “corretas” ou “melhores”, enquanto as formas de falar associadas a grupos marginalizados são estigmatizadas.
Além disso, a educação desempenha um papel crucial na perpetuação do preconceito linguístico.
Muitas vezes, os sistemas educacionais priorizam certas variedades linguísticas em detrimento de outras. E essa atitude só reforça a ideia de que apenas uma forma de falar é aceitável ou válida.
Consequências do preconceito linguístico
O preconceito linguístico pode ter várias consequências prejudiciais. Em primeiro lugar, ele pode levar à marginalização e exclusão social de grupos que falam dialetos ou línguas não consideradas “prestigiadas”.
Isso pode afetar negativamente as oportunidades educacionais, profissionais e sociais disponíveis para esses grupos.
Além disso, o preconceito linguístico também pode ter impactos psicológicos, levando à baixa autoestima. E ainda pode gerar sentimentos de inferioridade entre aqueles que falam variedades linguísticas estigmatizadas.
Isso pode contribuir para um ciclo de marginalização e discriminação.
Por isso, a escola pode ter um papel fundamental para diminuir esses casos e ajudar na conscientização da riqueza cultural do país.
7 dicas de como o preconceito linguístico nas escolas pode ser evitado
1- Promover a adequação linguística
O ensino da norma padrão é essencial, porém o uso da linguagem não é feito de modo uniforme e isso deve ser sinalizado e esclarecido.
Ao contrário de dizer se o uso de determinada linguagem é certo ou errado, a adequação linguística é o conceito que busca entender o contexto em que o uso da língua é adequado ou não.
Ou seja: em uma situação informal, a linguagem mais recomendável a se usar é a informal. Já em uma situação formal pede o uso da norma padrão.
Quando usamos “vc” para abreviar a palavra “você” em conversas pela internet, estamos adequando nossa linguagem ao ambiente informal.
Entretanto, sabemos que não podemos usar a mesma abreviação em situações formais, como na escrita de um documento oficial.
Um exemplo disso está no poema de Oswald de Andrade:
Pronominais (Oswald de Andrade)
Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
A ideia da abordagem sobre a adequação não é ir contra a gramática ou a norma padrão.
Seria apenas para conscientizar sobre a língua que está em constante movimento e que busca aplicar sua função principal, que é a comunicação.
2- Entender o contexto do aluno
Muitos alunos sofrem com o preconceito linguístico nas escolas justamente por ser de um contexto diferente da maioria dos colegas de turma.
Os contextos variam economicamente, geograficamente ou socioculturalmente. Pode ser desde o aluno de outro estado ou até mesmo vindo de uma família com poucas condições financeiras.
Muitas vezes o aluno reproduz o que está acostumado a escutar a linguagem usada no seu próprio contexto.
E por isso, é necessário acompanhar seu aprendizado e entender onde pode ser falta de embasamento teórico ou somente adequações linguísticas.
3- Incluir o assunto ao debate sobre bullying
Além de compreender a forma como cada aluno se comunica através da linguagem, é preciso abranger essa discussão para todo o grupo.
Os temas envolvendo bullying e cyberbullying já são tratadas com urgência pelas gestões escolares do país. Agora, é a vez de incluir mais esse tema: o preconceito linguístico nas escolas.
As consequências desse tipo de discriminação são graves assim como as outras e é necessário tratar esse tema com importância.
A pessoa que é excluída ou hostilizada por expressar a maneira de falar de algum grupo do qual faça parte, seja ele social, étnico, religioso ou de gênero, tem a sua voz silenciada.
Além disso, silencia o modo de vida desse grupo, a sua história e sua herança cultural. É importante abordar as pluralidades da Língua Portuguesa e mostrar que são válidas.
4- Organizar uma feira de regionalidades
Para celebrar as diversas variações linguísticas e a riqueza da Língua Portuguesa em um território tão vasto e múltiplo como o Brasil, nada melhor do que uma feira sobre as regiões do país.
Essa iniciativa enaltece a língua e proporciona uma oportunidade de explorar e apreciar a diversidade cultural que permeia o país.
Ao reunir representações das diferentes regiões, essa feira se torna um verdadeiro mosaico de cores, sabores e, é claro, linguagens. Desde o sotaque arrastado do Nordeste até o canto melódico do Sul, cada região se expressa de maneira única.
E isso se reflete não apenas as influências históricas e geográficas, mas também as tradições e valores de seu povo.
Valorizar essas diferenças linguísticas enriquece nosso entendimento da língua portuguesa e também permite celebrar a pluralidade cultural do Brasil.
Em vez de encarar as variações linguísticas como barreiras, devemos vê-las como pontes. Nesse contexto, ela conecta pessoas e comunidades, ou seja, enriquecem nosso tecido social e cultural.
Além disso, uma feira que destaca as diversas formas de falar do Brasil servindo como um lembrete poderoso de que a língua é viva e está em constante evolução.
5- Promover a autoestima linguística dos alunos
Incentivar a autoestima linguística dos alunos é fundamental para combater o preconceito linguístico.
Os educadores podem ajudar os alunos a se orgulhar de sua própria linguagem e identidade linguística, valorizando suas formas de expressão e encorajando-os a usar sua voz com confiança.
Isso pode ser feito através de elogios e reconhecimento positivo pelo uso eficaz da linguagem, bem como fornecendo oportunidades para os alunos compartilharem suas histórias e experiências linguísticas.
Ao promover a autoestima linguística dos alunos, podemos ajudá-los a se sentirem mais seguros e confiantes em sua capacidade de se comunicar e se expressar em qualquer contexto.
6- Modelar comportamentos inclusivos em relação à linguagem
Os educadores e outros membros da comunidade escolar devem servir como modelos de comportamento inclusivo em relação à linguagem.
Isso inclui evitar fazer comentários depreciativos sobre formas de falar diferentes da nossa própria e reconhecer e valorizar a diversidade linguística presente na comunidade escolar.
Os educadores podem também incorporar variedades linguísticas diversas em sua própria fala e escrita, demonstrando que todas as formas de falar são dignas de respeito e valorização.
Ao modelar comportamentos inclusivos em relação à linguagem, podemos criar um ambiente mais acolhedor e respeitoso para todos os alunos.
7- Incluir variedades linguísticas nos currículos escolares
A inclusão de variedades linguísticas diversas nos currículos escolares e materiais didáticos é fundamental para combater o preconceito linguístico.
Isso pode ser feito incorporando textos, músicas e obras de literatura que representem uma ampla gama de dialetos e sotaques.
Além disso, os educadores podem convidar falantes nativos de diferentes variedades linguísticas para compartilhar suas experiências e perspectivas em sala de aula.
Ao expor os alunos a uma variedade de formas de falar, podemos ajudá-los a desenvolver uma apreciação pela diversidade linguística. E dessa forma, serão capazes de entender que não existe uma única maneira “correta” de se comunicar.
Essa abordagem também contribui para a valorização das identidades linguísticas individuais e coletivas. Sendo assim, fortalece o senso de pertencimento e inclusão na comunidade escolar.
O preconceito linguístico no BBB 24: reflexões sobre a diversidade da linguagem
O recente episódio envolvendo o participante Davi no “BBB 24”, ao utilizar a expressão “psiu” durante uma conversa com a modelo Yasmin Brunet, desencadeou uma série de debates nas redes sociais.
A reação de Wanessa Camargo durante o quadro Sincerão, onde expressou sua opinião sobre o comportamento de Davi, gerou ainda mais discussões sobre o preconceito linguístico.
No entanto, o termo “psiu”, comum em várias regiões do Brasil, foi interpretado de maneiras distintas pelos telespectadores.
Enquanto alguns entenderam a expressão como uma forma desrespeitosa de mandar calar a boca, outros, como a jornalista e influenciadora digital Maíra Azevedo (Tia Má), destacaram sua utilização como um vício de linguagem cultural, especialmente na Bahia.
A intervenção de Davi para se retratar pelo uso do termo evidencia a complexidade desse debate. Embora tenha explicado que o “psiu” não tinha a intenção de mandar calar a boca, Yasmin Brunet sentiu-se manipulada e emocionalmente afetada pela situação.
Ademais, as reações dos internautas revelam uma variedade de pontos de vista sobre o assunto.
Enquanto alguns concordam com a posição de Wanessa e Yasmin, repudiando o comportamento de Davi, outros defendem o participante e destacam a importância de compreender a diversidade linguística e cultural do Brasil.
Este incidente no “BBB 24” serve como um lembrete oportuno da necessidade de promover uma maior conscientização sobre o preconceito linguístico. E ainda, de valorizar a diversidade da linguagem em todas as suas formas.
Afinal, a linguagem não é apenas uma ferramenta de comunicação, mas também um reflexo das nossas identidades e culturas.
Conclusão
O preconceito linguístico nas escolas não apenas prejudica o ambiente educacional, mas também compromete a riqueza cultural do Brasil. É fundamental promover uma abordagem inclusiva e respeitosa em relação à diversidade linguística.
Para combater esse problema, devemos promover a adequação linguística, compreender o contexto dos alunos e incluir o tema no debate sobre bullying.
Além disso, é essencial promover a autoestima linguística dos alunos. E isso pode ser feito ao modelar comportamentos inclusivos em relação à linguagem e incluir variedades linguísticas nos currículos escolares.
É importante que educadores, gestores escolares, pais e toda a comunidade escolar trabalhem juntos para criar um ambiente educacional acolhedor e respeitoso.
Somente através do respeito e da valorização da diversidade linguística poderemos construir uma sociedade mais justa, inclusiva e democrática.
Por isso, é preciso estar atento à esse tipo de discriminação linguística.
E você? De que forma procura combater o preconceito linguístico na sua escola?