A África é logo aqui!
Sonia Santos conhece bem a cultura africana. Formada em letras e mestre em literatura africana, é, desde jovem, ativa em movimentos sociais. Comandou o programa Africanidade, na TV Litoral, em Macaé, e ministrou cursos de cultura e história africana para professores. Atualmente, é diretora na Universidade Lusófona, na Guiné Bissau, e está desenvolvendo novos projetos de pós graduação para áreas como direito e ecologia. Nesse bate-papo, ela expõe ideias que desconstroem estereótipos e nos mostram como a África está mais perto de nós do que imaginamos. Dá só uma olhada 😉
1) De que forma você avalia o ensino da cultura africana no Brasil atualmente?
Estamos limpando ainda a sujeira que existia. Desde a formação do Brasil há a exclusão do negro na sociedade e as pessoas normalizavam isso. Mas, ao longo do tempo, a juventude está reagindo e estamos em momento de muita tensão. A tensão no Brasil passa pela questão racial – ela está envolvida em tudo: mercado de trabalho, saúde, política. O progresso está galopante pela produção intelectual. Quando a gente vai procurar, encontra muita coisa. A FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty) tem autor negro, antes não havia. Mulheres negras no Brasil estão com uma força incrível. Tem tido reações e estamos, sim, progredindo nessa questão – tanto em sala quanto nas ruas.
2) Como acha que a questão racial pode ser trabalhada no ensino básico?
Tem que visitar redes sociais, entender contexto e passar para criança. Ela tem que enfrentar situações da família. Tratar dos cabelos, da ancestralidade. Tem que chamar a atenção para a comida, forma de se curar, as brincadeiras. Questão do lápis de cor de pele, por exemplo: precisamos disponibilizar vários giz de cera para pintar a pessoa e valorizar que os seres humanos são bonitos e diversos. Trabalhar questão da autoestima é fundamental para iniciar a questão racial em qualquer lugar, principalmente na escola.
3) Alguns consideram a política de cotas falha como mecanismo de inclusão social dos negros. Qual é a sua opinião a respeito desse sistema?
Super importante, porque os primeiros cotistas foram europeus – tinham terra, tinham salário, toda uma série de proteções do estado brasileiro. Depois vieram as cotas para os militares – em determinados cursos as pessoas entravam porque eram militares. O que acontece com as cotas? Brasil é 54% negro e está fora da questão econômica – ele não se desenvolve se essa parcela não participa. É algo temporário, para dar um avanço a quem foi negligenciado pelo estado durante séculos. As pessoas que não entendem e não estudam, paciência. Mas isso traz para igualdade aquele desigual. E todos os cotistas têm dado muito boas respostas.
4) Como tem sido a experiência de morar na África? Qual é a principal semelhança com o Brasil?
Somos africanos em tudo. O brasileiro se sente à vontade com a comida, com a expressão. Na Europa você tem que enrijecer o corpo; na África você é solto. Você sente empatia pelas cores, pelo jeito das pessoas – está dentro de você. Esqueça a África exótica: existe também, mas tudo é projetado muito como medo. Africano é da paz, é muito de se abrir para o outro. Essa receptividade é completamente semelhante à nossa. E eles foram os primeiros em várias coisas. Os faraós eram negros. Os primeiros cristãos do mundo eram negros. As primeiras religiões vieram da África. Assim, olhamos para eles com respeito e nos sentimos parte disso.
5) Tem sido muito discutida a intolerância religiosa nas escolas. Em especial, as religiões africanas são as que mais sofrem discriminação. Por que acha que existe esse preconceito?
Não tem macumba fora do Brasil. Qualquer coisa que falam do negro falam que é macumba e coisa do mal. Isso aconteceu porque o negro ia para o terreiro vivenciar sua cultura. Você se religa através de rituais que têm corte de animais – outras culturas como judaica e católica também fazem isso. Toda cultura antiga tem corte de animais. Religiões de matriz africana existem só no Brasil – na África existe a cultura da ancestralidade. Então o preconceito é inter-racial. Mas há algo importante: religiões africanas não têm nada a ver com sistema capitalista. Ela não fala: “Prosperidade, vai crescer, vai te dar carro, vai te dar isso…”. Não, é uma questão do ser, mais íntima e menos materialista. E outra coisa: há uma diversidade muito grande. Há várias expressões da religiosidade. Mas as principais são candomblé e umbanda, que só existem no Brasil e são perseguidas por racismo. Estamos na África ainda em processo de descolonização. Mas estamos progredindo!