Cinco lições educacionais que aprendemos na África
No final de novembro, estivemos no Quênia e implementamos o nosso projeto, que transforma alunos em escritores de verdade, na Makuyu Education Initiative, uma ONG norte-americana que garante moradia, alimentação e suporte escolar a 18 crianças. Localizada numa zona rural, Makuyu é um lugar extremamente especial que nos recebeu com todo o carinho do mundo. A experiência foi incrível! Os pequenos demonstraram muito entusiasmo escrevendo e ilustrando as próprias histórias, além de ensinarem, diariamente, várias lições de ouro sobre como podemos nos aperfeiçoar cada vez mais. Pensando nisso, preparamos em cinco tópicos algumas destas lições que servem de inspiração não apenas para a sala de aula, mas para todas as áreas da vida 😉
1) Espírito de equipe
Em Makuyu, as crianças agem melhor no coletivo. Ao elaborarem suas histórias, por exemplo, a história coletiva foi feita em menos de uma hora! Juntas, a imaginação e o ritmo voam. E algo que ajuda muito a desenvolver esse espírito coletivo são as aulas de debate, que acontecem uma vez por semana. Nelas, a professora aborda um determinado tema e pede para todos os pequenos (todos mesmo, até mesmo os muito pequenininhos, com cinco anos) opinarem. Desde cedo, já é estimulada a convivência com diferentes opiniões e o espírito gregário é essencial para a participação na sociedade. Quando perguntadas sobre o que queriam ser quando crescerem, muitas crianças citaram profissões como médico, bombeiro e professor. Quando perguntamos o porquê, a maioria respondeu que era para ajudar uns aos outros. A pequena Caroline, de 9 anos, por exemplo, disse que queria ser professora porque assim poderia ajudar outras crianças. A coletividade é elemento-chave na cultura de Makuyu.
2) Disciplina
Todos os dias, os pequenos acordam às 7h. Arrumam as próprias camas, lavam as próprias roupas e também ajudam nas tarefas diárias de casa, como almoço e janta – e adoram colaborar! Mesmo no período de férias, as crianças têm aulas de segunda a sexta, das 9 às 13h. E vão dormir às 20h, após assistirem à TV. A rotina é bem organizada e regrada e todas as crianças são muito obedientes. Pauline, que é como se fosse a mãe das crianças e coordena a ONG, me explicou: “Procuro fazer com que elas sejam ativas desde cedo porque lá, na frente, saberão exatamente como conduzir suas próprias vidas”. Disciplina e proatividade caminham juntas aqui em Makuyu – as crianças fazem questão de ajudar e sentem-se importantes quando vêem que estão colaborando para o funcionamento das coisas na comunidade.
3) Criatividade
A premissa de que a criatividade se evidencia em momentos onde os recursos são limitados é mesmo verdade. As crianças amam fazer os próprios brinquedos! Os meninos, por exemplo, criam seus próprios carrinhos usando caixinhas de leite, garrafas de água, canudo e tampinhas de garrafa. Até mesmo quando eles têm os brinquedos, gostam de criar. Um deles respondeu a uma voluntária, quando foi perguntado sobre por quê continuava fazendo carrinhos manuais se já tinha um novinho em casa: “É mais divertido quando criamos”. Essa criatividade também é vista em outras situações. Por exemplo: os pequenos amam cantar e fazem disso um mecanismo para memorizar coisas. Quando estavam tentando gravar os nomes das três voluntárias novas, as pequenas Janet, Caroline e Tabitha criaram uma musiquinha com os nomes especialmente para gravá-los mais rápido. Resultado: no dia seguinte, já sabiam todos os nomes de cor.
4) Gentileza
Assim que cheguei em Makuyu, as crianças vieram super interessadas me perguntar sobre quem eu era. Queriam saber de onde eu vinha, quanto tempo levei para chegar até lá, se eu estava sentindo falta da minha mãe. Não queriam deixar sequer eu lavar meu prato no primeiro dia e, quando me viam voltando do mercado, eram as primeiras a virem me ajudar com as compras. Quando não havia talher para todos durante uma refeição, um dos pequenos imediatamente adiantou o fim da sua janta e lavou a colher para que eu não esperasse para comer. Era também comum ver pequenos de oito anos alimentando bebês de três aninhos. O cuidado com o outro é algo marcante em Makuyu – realmente, todos são irmãos. Extremamente educadas, as crianças agradeciam cada pequeno gesto. Ao final do nosso projeto, ouvi do pequeno Peter, que é introspectivo, um “obrigado” inesperado acompanhado de um buquê de flores do jardim onde estávamos. Pequenas gentilezas do dia a dia que fizeram dessa a experiência a mais transformadora da minha vida!
5) Resiliência
Quando falamos em África, o que mais pensamos é em escassez. Se de um lado faltam recursos, de outro, temos abundância de força. Em Makuyu, o que menos vemos são reclamações. Na verdade, em duas semanas, não vi sequer uma reclamação. Nem mesmo da pequena Janet, que esteve fortemente gripada durante alguns dias. Tive contato com crianças órfãs, crianças com pais portadores de aids, crianças com famílias em extrema pobreza – que viviam do outro lado da comunidade, batalhando para sustentar uma família de cinco pessoas recebendo menos de 100 reais por mês. Em Makuyu, não há privada, não há chuveiro, não há geladeira. Banho é de balde, com água fria – e as crianças fazem fila extremamente felizes para isso. Agradecem a cada momento: antes das aulas, das refeições, antes de um banho de piscina. Quanto às refeições, elas são praticamente as mesmas todos os dias: na maioria das vezes, um prato de feijão – no almoço e na janta. Carne, apenas duas vezes por semana. O que para nós parece repetitivo, para eles é algo diferente diariamente. Uma vez, uma voluntária perguntou à Dahera, a mais velha das crianças, se ela gostava de ter a mesma refeição todos os dias. Dahera, então, respondeu o seguinte: “Não! Não são sempre as mesmas refeições. Tem dias que é feijão com ervilha, outros dias é feijão com batata, feijão com repolho… então, temos pratos diferentes todos os dias”. Transformar o comum em extraordinário parece uma especialidade em Makuyu. Tudo na vida é uma questão de perspectiva, não é? 😉
Makuyu foi a maior escola de resiliência e gratidão que já conheci até hoje. Obrigada ao Quênia, obrigada à África, por ter nos dado o privilégio de entrar em contato com tanta força e sabedoria. Um aprendizado que ficou na memória e no coração!
Sisinisawa (“somos todos um”, em suaíli, idioma nativo no Quênia) <3
IVONETI DA PENHA BARCELLOS WOLFGRAMM
22/dezembro/2017 @ 16:49
Amei a matéria. Apesar de já ser uma professora aposentada, ainda tenho o sonho de que a educação no Brasil possa melhorar. Tudo é proibido. O aluno não pode ajudar em nada. Falta valorização do professor. O respeito esta longe de existir.
Fiquei encantada. A história no coletivo é uma excelente dinâmica. Já realizei com meus alunos.
Naisce
06/dezembro/2017 @ 19:23
Linda lição de inspiração para o nosso Dia – Dia, Muito Obridado por compartilhar conosco está experiência.
liduina maria
06/dezembro/2017 @ 12:56
Sobre os debates uma vez por semana e até os menores participarem da roda de conversa é bastante interessante. Já trabalhei em um projeto social do governo do estado em que trabalhava como educadora social em uma comunidade bastante violenta do estado do Ceará. Dentre as dificuldades os usuários cultuavam os atos de violência praticado pelos grupos rivais. Então para poder trabalhar com as crianças todos os dias liamos uma página da bíblia e falávamos sobre ela e sobre as novidades do dia. Trabalhávamos as datas cíveis e muitos jovens tornaram-se adultos de bem com outras realidades.
Marilene Augusta Fonseca Apolinário Coelho
04/dezembro/2017 @ 10:28
Adorei essa matéria e a experiência de vcs com esse mundo tão distante, e com uma riqueza simples e extremamente educacional na vida das crianças.
A frase ” transformar o comum no extraordinário” diz tudo.
Minha esperança é que um dia o Brasil acorde desse pesadelo, e possamos ter uma educação simples assim, e de qualidade.