Especial Dia Nacional da Alfabetização: Entrevista com Mara Mansani
Desde 1966, o Dia Nacional da Alfabetização é comemorado todo dia 14 de novembro no Brasil.
E como essa é uma data muito importante para todos os educadores e educadoras do país, convidamos a Prof.ª Mara Mansani para uma entrevista sobre o tema!
Mara Mansani é especialista em alfabetização, vencedora do Prêmio Educador Nota 10 e formadora de professores com 35 anos de docência. Faz parte da equipe de educação da Estante Mágica e é responsável pela criação dos guias de aplicação do nosso projeto.
Vem ver como foi nosso papo! 🙂
1. Mara, para você, o que é alfabetizar no Brasil hoje, para além de ensinar a ler e escrever?
Muita gente acredita que alfabetizar é ensinar a ler e escrever. Mas isso já mudou há muito tempo, essa visão se ampliou.
Alfabetizar é educar para a vida, é fazer o uso das práticas de linguagem como práticas sociais.
É usar a leitura, a escrita e a oralidade como um entendimento de mundo, para além de apenas decifrar códigos. Ser alfabetizado é poder compreender um contrato, por exemplo, ou fazer um cálculo, interpretar situações.
No Brasil, a alfabetização é uma tarefa ainda mais complicada. Porque nem todas as escolas têm as condições necessárias, e nem todos os professores têm um acompanhamento pedagógico adequado ou até mesmo uma formação adequada.
Nossos índices de alfabetização não estão bons, mas isso não quer dizer que não possa ser revertido, através de formação e de ferramentas que acompanham o trabalho do professor.
É uma luta para todos nós!
Quais são os desafios iniciais que os educadores encontram na alfabetização?
Como é difícil começar! Eu lembro da primeira vez que entrei em sala de aula, há 35 anos. Eu não tinha preparo, apenas a teoria.
Os professores geralmente começam em salas difíceis de alfabetizar, seja com alunos de comportamento mais difícil, ou com uma dificuldade maior devido à desigualdade social. E junto a esse desafio, os professores ainda precisam fazer a gestão de tempo e espaço em sua rotina pedagógica; pensar as práticas que irão usar para desenvolver as habilidades previstas no currículo; fazer o diagnóstico de aprendizado das crianças. É muita coisa, e nem sempre eles têm apoio.
É por isso que nós, professores que já estamos em sala de aula, precisamos apoiar os que estão chegando.
E tem mais: além da formação inicial, temos também a formação continuada. Muito do que aprendi como professora vem de formações que eu fiz já em trabalho!
A educação vem se transformando tanto e tão rápido, que se não estivermos preparados, não só os professores iniciais terão dificuldades, mas quem já está na escola há muito tempo também.
Com a pandemia, o desafio foi maior. Quais são os pontos negativos e positivos desse modelo de ensino remoto? E quais aprendizados você acha que vão permanecer depois dessa experiência?
A pandemia mudou tudo. Mesmo estudando sempre, foi uma dificuldade. Nós tivemos que aprender a usar tecnologias de uma forma que nós não conhecíamos.
Para mim, um grande desafio foi fazer a alfabetização acontecer em casa, sem as devidas interações. Eu tive que passar uma didática para as famílias, criar condições e situações de aprendizado. Se na escola eu fazia uma roda de leitura com mediação, em casa eu mando a mala viajante, coloco as perguntas de orientação para os responsáveis fazerem para as crianças, envio podcast, e-books. E para quem não tinha acesso, mandava o livro físico para ser lido em casa.
Nós tivemos que nos adaptar e estudar muito! Foi um aprendizado geral.
E é um legado que podemos trazer para as aulas presenciais: usar as ferramentas tecnológicas de forma ativa, criando práticas colaborativas. Por exemplo: na aula de ontem, fizemos um mural digital com debates, com reflexões, com pesquisas dos alunos sobre as personalidades negras do Brasil.
Infelizmente a realidade do Brasil não é de acesso a isso tudo, porque nem internet nós temos no país todo. Mas o que puder ser feito, a gente tem que aproveitar!
Outro ponto positivo foi a aproximação com os pais de alunos. Acho que nós nunca tivemos tão próximos das famílias como estivemos nesse período, e isso está se mantendo agora na retomada ao presencial também. De forma geral, eles não tinham essa consciência de acompanhamento das crianças. Mas na pandemia, quem foi a nossa voz em casa foram as famílias. E como foi boa essa parceria! Isso é um legado que a gente não pode perder agora. Porque a escola tem que ser mesmo um espaço para todos.
O Dia Nacional da Alfabetização acontece todo dia 14/11, e a data tem o objetivo de conscientizar a população sobre a importância de implantar melhores condições de ensino e aprendizagem no país. Como você vê a importância da celebração da data?
O ponto mais importante é o momento de reflexão. Quando a gente marca esses dias, a gente junta todo mundo num pensamento, numa conscientização.
Pensando dessa forma, o 14/11 (Dia Nacional da Alfabetização) é um dos dias mais importantes para a gente pensar no presente e no futuro do nosso país. Não se faz um país justo, igualitário, de pessoas preparadas para a vida, sem alfabetização. Alfabetização é a base para qualquer tipo de conhecimento, porque ela amplia as possibilidades, ela liberta, ensina a interpretar o mundo.
Nesse dia 14/11, nós professores temos que cobrar condições de trabalho nas escolas, porque isso diz respeito a políticas públicas. Nesse país, educação e alfabetização têm que ser prioridades, e ainda não são. Precisamos lutar por isso.
E é uma luta não só de professores, é de todo mundo. Garantir os direitos das nossas crianças estudarem e terem uma alfabetização de qualidade impacta a vida de todos, porque uma sociedade que tem indivíduos mais preparados, alfabetizados, é uma sociedade melhor. Se eu contribuo com o vizinho, se eu fomento a leitura de alguma criança ou adolescente, se eu dou qualquer tipo de apoio, se eu entro em petições e abaixo-assinados pedindo melhorias, eu também exerço meu papel de cidadão.
Quais são os 3 pontos primordiais para um(a) professor(a) observar no desenvolvimento da alfabetização de seus alunos e alunas?
O professor tem que ter clareza das necessidades de aprendizagem de seus alunos. Isso é muito importante. Então o primeiro ponto é fazer um bom diagnóstico de aprendizagem.
O segundo ponto é fazer uso dos dados levantados para traçar um planejamento que atenda realmente às necessidades dos alunos.
Por fim, é preciso aliar o currículo, as necessidades de aprendizagem e as condições de trabalho. A partir da interpretação dos dados avaliados, procurar práticas, metodologias, instrumentos e estratégias.
Isso demanda muito estudo e compromisso do professor! Paulo Freire já dizia: alfabetizar é ter compromisso com a educação, é ter compromisso com seu educando.
Você acha que existe algo que ninguém dá muita importância, mas que é muito valioso para a alfabetização?
Eu acho que a gente tem que sair da mesmice. A gente costuma ficar lendo, escrevendo, usando caderno o tempo todo. Isso não educa para a vida.
Educar para a vida é você sentar no chão com as suas crianças, é desenhar com elas, cantar, fazer playlists de música, ouvir podcast, propor escritas e produções que elas possam debater, trazer o conhecimento delas. Isso é riquíssimo!
Porque através do lúdico, que não é muito usado (apesar da gente falar tanto!), nós trazemos as crianças para o debate, para o levantamento de hipóteses, para o confronto das ideias que elas têm com o que é real.
Essa fantasia estimula a imaginação, a criatividade e muito mais.
Por exemplo: eu faço cabaninha na sala de aula, na alfabetização. A gente traz lençóis, faz uma cabaninha, senta como se estivesse no meio da floresta e fica naquela fantasia de construir histórias juntos.
São coisas assim que saem da mesmice, deixam sua aula mais bacana mesmo, de forma que você aprenda com as crianças, e as crianças aprendam com você.
Como você vê o projeto da Estante Mágica atuando nessa fase de desenvolvimento dos alunos?
A gente fala do projeto Estante Mágica como a produção de livros autorais pelas nossas crianças. Mas ele tem uma base tão forte no socioemocional, na produção escrita, na oralidade, nas artes, na criatividade, na leitura de mundo… O livro é só a concretização de um processo que é bem mais amplo e que ajuda na formação da criança.
As habilidades de leitura e escrita que estão previstas para a alfabetização estão dentro do projeto, porque ele é completamente alinhado à BNCC. São as habilidades essenciais, que não podem faltar para alfabetizar. E o que é melhor: ele oportuniza a fala, a expressão, o ser criança. Eu acho isso incrível.
Por isso acho que o projeto tem tudo a ver com a sala de aula. Ele não é um projeto extra que o professor vai ter. Ele é quase uma modalidade organizativa, porque ajuda a usar o que você já tem que ensinar, que é fazer uso das práticas sociais da linguagem no dia a dia. É uma oportunidade tanto de apoio para o professor, quanto para os alunos.
Alfabetizar com uma proposta como a da Estante Mágica é só ganho, é potencializar ainda mais a capacidade que as crianças têm de aprender! Vale muito a pena.