Filhos indisciplinados: como uma rotina pode resolver o problema
Como a rotina pensada por Maria Montessori pode ajudar a formar crianças mais disciplinadas? Entenda neste artigo!
A rotina da sala de aula montessoriana
Ao entrar numa sala de aula montessoriana para crianças de 3 a 6 anos, percebe-se a tranquilidade do local. Não há crianças chorando ou brigando entre si por causa de brinquedos.
Não há objetos super coloridos, nem bonecos divertidos. O ambiente é de calma. Vê-se crianças de diferentes idades convivendo e trocando experiências.
Algumas sentadas no chão com seus tapetinhos, outras em mesas individuais ou coletivas.
Suas atenções estão voltadas para alguma atividade específica, ou estão entretidas com o sucesso do colega em sua tarefa – que no método montessoriano chamamos de trabalho.
As crianças sabem que logo ao chegar, devem retirar seus lanches das mochilas e colocá-los na geladeira, se necessário, pegar as agendas para entregar ao professor e guardar as mochilas nos escaninhos.
Elas estão conscientes que têm um trabalho a ser feito, então, escolhem nas estantes bandejinhas com as atividades de sua preferência, colocam-nas sobre os tapetinhos que já estenderam no chão para essa finalidade e iniciam seu trabalho.
Numa escola montessoriana, as crianças fazem o que deve ser feito, sem precisar alguém mandar e sem receberem algum prêmio por isso.
Não é mágica. Trata-se de um método. Ali, existe uma rotina bem compreendida e aceita. Isso, porém, não quer dizer que elas não tenham liberdade para criar ou decidir com o que querem se ocupar.
A rotina organiza o tempo para que lhes sejam garantidas todas as suas necessidades básicas e as atividades que devem realizar cotidianamente, como brincar, descansar, manter a higiene, desenvolver independência, habilidades e competências.
Por que a rotina consistente colabora para o desenvolvimento integral da criança?
Ela é necessária na promoção da autodisciplina, uma competência que de acordo com estudos do PNAS (Universidade de Chicago), quando bem desenvolvida durante a primeira infância, prediz melhores condições de saúde, boa conduta e uma predisposição ao equilíbrio financeiro na maturidade.
É com a rotina que a criança compreende como o mundo funciona. Na natureza tudo tem seu tempo.
As flores crescem melhor quando semeadas na época adequada. Os filhotes dos mamíferos passam por um longo aprendizado até estarem aptos para a vida adulta.
Ter uma rotina significa garantir o tempo e o espaço que a criança precisa para seu desenvolvimento integral.
Para ser implementada, porém, a rotina não deve ser imposta, mas aceita voluntariamente, porque assim ela é absorvida espontaneamente e a criança preserva toda sua criatividade e espontaneidade, essenciais para o desenvolvimento de suas potencialidades.
Fazer com que crianças adotem uma rotina sem que seja necessário mandar, impor ou premiar pode parecer impossível, mas não é tão difícil assim.
Criança gosta de rotina?
Alguns pais se perguntam porque não conseguem que as crianças sigam naturalmente uma rotina. Em família, elas se recusam a comer, choram para dormir, e desafiam sua autoridade.
Muitos podem ser os motivos, e cada caso é um caso. Mas precisamos entender que a criança gosta de rotina, pois ela coloca previsibilidade em sua vida, o que transmite segurança e as acalma.
No entanto, sabemos que a aceitação de uma rotina por parte da criança não se dá de uma hora para outra. Existem condições a serem adotadas.
É preciso observar que crianças devem fazer o que é adequado para sua idade e dentro de casa, os hábitos dos pais muitas vezes, não são os mais indicados para seus filhos de 3 a 6 anos.
Querer encaixar uma rotina para crianças de acordo com os horários dos adultos é causa frequente de tensões. Os filhos amam seus pais e querem fazer tudo que eles fazem.
Mas crianças têm necessidades peculiares, diferentes dos adultos.
Se os pais não têm uma rotina, ou dormem tarde, a criança vai querer agir da mesma forma e será uma tortura diária o despertar para chegar à escola no horário.
Por outro lado, querer que a criança durma cedo e continuar na TV vai encontrar uma resistência enorme por parte da criança. A hora de ir para cama não pode ser a do choro e um sacrifício para todos.
Se assim for, o acordar ou o adormecer serão momentos muito cansativos. Será que não haveria uma outra forma para resolver a situação?
Os pais são o exemplo para seus filhos. Se você quer que seu filho tenha um determinado comportamento, aja de acordo com esse comportamento, mostre como se faz.
As crianças aprendem mais quando observam do que quando ouvem o que se espera delas.
Se você falar baixo e pedir que ele fale baixo, mesmo que seu filho aumente a voz algumas vezes, ele acabará diminuindo o volume vocal.
Se quiser que seu filho coma, não o deixe sempre sozinho durante as refeições.
Pelo menos, uma vez por dia, sentem-se e comam juntos para ele lhe observe se alimentando, o que come, como se serve e segura os talheres. A criança aprende com a repetição do exemplo.
O que é necessário para garantir o sucesso da rotina?
Para que a adoção de uma rotina seja aceita livremente pela criança, palavras e exemplos são excelentes incentivos, mas não bastam. É necessário também desenvolver um aprendizado que chamamos de disciplina.
O método montessoriano demonstra que a disciplina necessária para adoção de uma rotina se alcança através do trabalho espontâneo que as crianças realizam pelo prazer em aprender.
Elas absorvem melhor os saberes quando usam seus movimentos. O “comportamento exterior é um meio para atingir o desenvolvimento interior” [1].
Além do desenvolvimento da coordenação motora, recentes pesquisas de institutos de neurociência descobriram que o desenvolvimento do movimento é fundamental para a cognição.
Assim, o movimento faz parte do impulso natural da criança para o aprendizado.
Crianças saudáveis naturalmente querem tocar, provar e mexer em tudo que lhes chama a atenção e se interessam por atividades, sejam elas mais calmas ou mais agitadas.
Quando uma criança esperneia, tem movimentos descoordenados, não é porque goste de confusão, mas provavelmente ainda não tem controle sobre si. Ela está à procura de objetivos e não sabe como se expressar de outra maneira. Nesses casos, no método Montessoriano diz-se que a criança não está estabilizada. Estabilizar é disciplinar naturalmente os movimentos, para deixar a criança mais tranquila e melhorar sua absorção de conhecimentos.
Pedir para a criança ficar quieta não vai ensiná-la a coordenar seus movimentos.
Conclusão
Muitas vezes, cremos ter que impor nossa vontade para que a criança obedeça. Pode ser que funcione, mas será por pouco tempo, pois se a ordem não fizer sentido para ela, logo será esquecida.
Premiar a criança porque ela faz o que se pede também não surte bom efeito, pois ela logo entenderá que fazer o certo não é o que se deve fazer normalmente, mas algo à mais, e quando isso não acontecer é provável que se instale o sentimento de injustiça e revolta.
Para que a obediência seja eficaz, a criança precisa querer e saber obedecer. “A obediência se faz em decorrência da própria vontade e de uma formação intelectual”.
O método montessoriano pode orientar e apresentar formas de se trabalhar o relacionamento entre pais e filhos para uma vida em família que permita maior frequência de tempos de afeto, cooperação e colaboração.
A rotina é a aliada das famílias. Ela multiplica momentos significativos entre pais e filhos. E é assim que a indisciplina pode ser combatida e transformada em potencial.
Dulce Bressane é escritora de livros infantis, mestre em cultura, diretora de teatro e dramaturga. Atualmente, é coach em orientação para pais de crianças de 3 a 6 anos e autora da página Criar filhos hoje.